HIM - Romance re-carregadoA Rock Sound encontra-se com Ville Valo na Austrália enquanto o vocalista dos HIM abre o seu coração para os altos, baixos e o novo enfoque no futuro de se tornar um anti-rock star...
"Para ser um rock star é preciso ser-se burro e eu nunca quis ser uma pessoa burra" - Ville Valo
Ville Valo olha a parte de trás de um maço de cigarros australiano. Criado para chocar os fumantes e incentivá-los a parar, a fotografia de uma boca cancerosa lembra a de um zumbi: desfeita, lábios ulcerados, dentes verdes parecendo lápides.
" vais ao dentista e eles dizem sempre que tens alguma coisa içada para te contrariar," diz o Vocalista dos HIM e entusiasta do cigarro. "Eu pensei em arrancar os meus dentes e usar uma dentadura: é muito mais fácil. podes mudar a cor. Mais amarelo para ganhar credibilidade nas ruas, branco-Hollywood para ocasiões especiais e um pouco de ouro para festas de rap."
Tendo resolvido os problemas de fuso-horário e cercado por uma chávena de café e um manuseado exemplar de um romance islandês, cinco horas antes do concerto de Melbourne, parte da tour australiana dos HIM, Ville está no seu satírico melhor: dispara farpas tão agudas que elas quase furam. Mas ao olhar o cantor de 31 anos, nem se pensa que o actual álbum da banda, Venus Doom, vendeu 500.000 cópias só nos EUA. Vestido em jeans, camisola, casaco e um goro roxo escondendo seu cabelo, Ville não ostenta nada do figurino de rock star, excepto, talvez, pela abundância de tatuagens.
O finlandês gosta de viajar leve e, nesta jornada de duas semanas, a sua bagagem contém apenas dois pares de jeans (um para concertos e outro para os momentos de relax), duas camisolas, três peças de roupa íntima e meias. Ville não usa o serviço de lavandaria do hotel; em vez disso, ele prefere lavar tudo à mão na banheira da casa-de-banho. Aliás, a maioria das roupas que ele tem vestidas foram dadas de presente. "Este rosário com água de Lourdes, França, foi lançado ao palco durante a tour australiana de 2006," diz ele, segurando o pequeno pingente prateado. "o meu cachecol foi atirado ao palco em Praga e o chapéu, no Barrowlands de Glasgow em dezembro passado. Dá para conseguir peças esquisitas e originais como este casaco com um corvo pintado que alguém atirou ao palco em Sydney. É óptimo termos pessoas que gostam da nossa música e são tão devotos, que querem até me vestir."
Apesar de ter ficado impressionado com os KISS quando tinha sete anos de idade e também com as exibições pirotécnicas, peito cabeludo e o cuspir sangue de Gene Simmons, Ville nunca quis ser um rock star. Para o esbelto vocalista, tudo gira em torno da música. Antes da adolescência ele tinha passado horas a ouvir "Take My Breath Away" da banda dos anos 80, Berlin, e "The Riddle" do cantor britânico Nik Kershaw. A pasta pop foi substituída depois por Black Sabbath e Led Zeppelin. Ville amava a música por causa do "simples gosto pelas melodias e a maneira como elas te fazem sentir".
"Para ser um rock star tens que ser burro e eu nunca quis ser uma pessoa burra", ele diz, "então eu nunca particularmente quis ser um rock star. Em vez disso eu queria fazer a trilha sonora de coisas bonitas. Outras pessoas poderiam ser o centro das atenções e eu criaria a atmosfera ao redor disso."
Tendo crescido em Helsinki, Finlândia, Ville ansiava por uma vida não-convencional. A música oferecia viagens, horários excêntricos de trabalho e, claro, a oportunidade de compor e de apresentar "hard rock com sentimentalismo". Assim que começou a tocar em bandas (originalmente como baixista), a recompensa pelos momentos difíceis - roubando papel higiénico de bares porque ele não tinha dinheiro para comprar seu próprio e trabalhando na sexshop de seu pai - começou a surgir. A primeira vez que Ville se deu conta de seu carisma foi antes dos HIM, quando tinha apenas 15 anos.
"Uma rapariga veio falar comigo depois de um concerto - eu estava todo suado e bêbado - e disse que queria ir pra cama comigo," ele lembra. "Lê-mos em livros que, por algum motivo, se és músico, é mais sexualmente interessante ou atractivo. E não, eu não fui pra cama com ela. Eu estou feliz por guardar esta memória (risos)."
A fama na Europa chegou para Ville seis anos depois, quando o single dos HIM, "Join Me In Death" chegou ao número 1 das paradas alemãs, vendendo mais de 500.000 cópias em apenas dois meses. Até hoje este sucesso continua a deixa-lo perplexo. "Eu não considero que esta é uma música realmente óptima ou a melhor que já escrevemos até hoje," diz ele. "ensinou-me muito sobre o momento certo e sorte, como muitas coisas não têm nada a ver com os processos de composição, gravação ou produção. Existem tantas variáveis no reino do rock and roll que é como uma Las Vegas musical: jogas na roleta russa com cinco balas em vez de uma."
FAZER 'VENUS DOOM', o sexto álbum dos HIM, provou ser um período difícil para Ville. Durante o processo de composição, a sua companhia constante foi a pintura 'Woman in Red', de David Harouni, a qual ele comprou numa galeria de artistas iranianos em Nova Orleans. Na torre de defesa - e a casa de Ville - de cinco andares, construída em 1842 nos arredores de Helsinki, o retrato andrógino, que acabou por se tornar a capa do álbum, acompanhou-o durante "coisas boas, coisas más e muitos altos e baixos pessoais". Foi dito que escrever à mão as letras pessoais do álbum fez dele um "devastado suicida".
"Talvez devastado suicida seja significando que aquela filosofia existencial sempre esteve próxima do meu coração," diz Ville. "Ser ou não ser, eis a questão. É sempre uma boa questão em qualquer coisa que se faça: tens que te questionar a ti mesmo. Tens que fazer isso todo dia para ter certeza que, o que fazes, é pelas razões certas. E quanto mais amadureces, mais tens que ficar de olhos abertos para não te encontrares em situações em que tens que abrir mão para algo."
"Muitas pessoas abrem as mãos para coisas demais e eu sou muito romântico para começar a fazer isso com a idade que tenho. Eu quero recuperar o aspecto romântico. Foda-se a ciência e tragam de volta o romance e a imaginação - as possibilidades ilimitadas da mente, alma e coração humanos. Na vida em geral, eu quero ser surpreendido como uma criança quando ela entrar numa loja de doces pela primeira vez. Então, abrir as mãos para coisas não faz de mim necessariamente um suicida, mas deitam-me abaixo."
Chegando ao fundo do seu arquivo emocional, a quarta faixa do CD, "The Kiss of Dawn", foi escrita sobre um amigo músico que cometeu suicídio. Nunca tendo experienciado tamanha perda, isso fez com que Ville pensasse sobre morte intencional. "Todos pensam em matar-se," ele diz. "É um clássico à la Nietzsche. O pensamento de suicídio ajuda durante muitas noites sem sono, não ajuda? Eu nunca conheci uma pessoa que nunca tivesse pensado sobre seu funeral."
"Na realidade, Não quero um funeral. Estive a pensar sobre construir uma cripta. Isso seria bom á maneira de meio Roger Corman (diretor americano de filmes de segunda linha): bem Poe. Obviamente é algo fascinante, mas não se deve lutar muito contra isso. Eu tento viver o momento tanto quanto possível e fazer coisas estúpidas. Digo, ir com a maré possibilitou-me estar nesta banda e conhecer muitas pessoas incríveis pelo mundo todo e não fazer as coisas de forma segura. Deves ser capaz de perder tudo o que possuis por um beijo... um sorriso... uma boa música."
CLARO QUE A REABILITAÇÃO AUTO-IMPOSTA POR VALO EM 2007 transformou-se em manchetes. Tendo estado frente a frente com insuficiência cardíaca e vómito com sangue, e acordando a meio da noite para beber mais cerveja em cima das pílulas contra insónia crónica, nas dependências da clínica Promises em Mlibu, o vocalista desintoxicou-se. Mesmo depois de ficar de molho três semanas, ele recusa a dizer que é um viciado. "Eu não sou um alcoólico," diz, "não acredito que o alcoolismo seja uma doença. Estamos a falar sobre músicos. Normalmente quando eles começam, são pagos em cerveja, não dinheiro. E quando se toca em bares, gasta-se o tempo livre lá, encontrando amigos e bebendo. De repente, bebes 6 latas de cerveja antes de um concerto e tens tanta adrenalina no teu corpo que consegues beber 10 latas e nada acontece. Só que quando fazes isso por 10 anos seguidos, é que começam a aparecer os efeitos.
"Eu era bastante tímido quando era mais novo, então esta era uma das razões por que eu ficava um pouco alto: para me deixar um pouco mais sociável. Muitas pessoas deixam isso sob controlo porque eles trabalham de 9h às 17h de segunda à sexta, mas nós trabalhamos de noite e em horas bem estranhas, então é um factor motivante. Mas não acredito no alcoolismo como uma doença."
Para algumas pessoas a sobriedade pode liberar sentimentos reprimidos, desconfortáveis, que, uma vez à tona, podem ser devastadores. Mas Ville não teve esse problema, afirmando que a música é seu receptáculo. "Alguns amigos realmente alcoólicos disseram que eu me tornaria muito mais sensível, psicologicamente sensível porque o álcool amortece," ele diz, "eu vivi o último ano da vida de Jim Morrinson antes de completar 30 e agora eu estou a viver os seus primeiros [anos] - sinto como se tivesse 14 anos de novo. Só que eu sinto-me mais relaxado e também um pouco mais cauteloso, obviamente. Agora penso duas vezes sobre as coisas."
Actualmente Ville está saudável - não considerando as mega-doses de cafeína e a constantes fumaças dos cigarros - e diz que o único ponto negativo da sobriedade é a ausência da agitação pós-concerto e a bebedeira que vem com isso. Então o que Ville Valo faz após um concerto? "Vou para o hotel e leio, " diz ele. " uma tour é muito monótona. Chata, chata, chata se não tem festa. É terrível. Os concertos são muito melhores se eu estou sob controlo e simplesmente esforço-me para me lembrar que eu canto melhor agora e que essa é uma razão para continuar sóbrio.
"Estive péssimo por um longo tempo e não quis levar isso pra frente. A banda ficou mal por minha causa e eu estou feliz e orgulhoso de estar sóbrio. Digamos que também foi pelos meus pais e para ser um bom exemplo para meu irmão." Mas Ville não consegue prometer que a sobriedade é um comprometimento para a vida.
"Bebi tanto que o cheiro do vinho tinto dá-me náusea, então acho que é um bom sinal para mim, que eu não quero beber," diz Ville, "mas não sei, eu vou-me apaixonar pela herdeira da Glenfiddich* (risos). Nunca digas nunca, já que nunca se sabe o que vai acontecer. Eu venho recarregar as minhas baterias por quase um ano e está a dar certo - durmo melhor, e posso reler livros e rever filmes com uma perspectiva totalmente nova."
* N.E.: Glenfiddich é uma famosa marca de whisky escocês.